19 junho 2014

A Minha Crónica na Lx4KIDS #4




Um gostar perfeito

O meu filho tem 8 anos e pergunta-me, muitas e muitas vezes, se gosto dele e de quem eu gosto mais. A necessidade que o Tiago tem em testar e hierarquizar sentimentos é proporcional à dificuldade que sinto em colocar-lhe em palavras o quanto o adoro, acima de tudo, acima de todos.

Sou surpreendida, diariamente, com as perguntas mais “assustadoras”, vindas do meu pequeno rapaz. Sentado no sofá, agarrado à consola ou inebriado pela televisão, o Tiago solta coisas como “Mãe, tu gostas de mim?” com a mesma facilidade com que, logo a seguir, me pede umas bolachinhas de chocolate antes do jantar. Para tamanha pergunta, já adotei vários tipos de resposta... A não-resposta: “Ó Tiago, então não sabes que gosto?!”. A resposta insossa: “Gosto. Claro que gosto.” A resposta aflita: “Gosto muito, filho. Olha, gosto muito de ti. Decora bem. Nunca esqueças, está bem?”. A resposta peganhenta, que vem com beijos e abraços exagerados: “Gosto tanto de ti filho. És tudo para mim. Anda cá. Deixa-me encher-te de beijinhos!”. A resposta humorística: “Não, não gosto. Não gosto nada.” A resposta inquisidora: “Porque perguntas? Não sentes que gosto de ti? Não gostas de mim, é?”, entre tantas hipóteses todas repetitivas, infrutíferas e demasiado banais para serem minhas, para serem para ele.
Eu, o Tiago, esta coisa do gostar, a pergunta insistente e a gaguez da resposta têm-me feito pensar na forma como nos damos aos outros, em particular aos filhos. A história dos pais trabalharem muito e não terem tempo para as crianças não encaixa na forma como vejo o relacionamento pais-filhos dos dias de hoje. Os pais, como nunca, se deram tanto à vida dos filhos como acontece agora. A agenda dos filhos acaba por se sobrepor aos afazeres dos pais e, especialmente os fins-de-semana, são determinados pelos jogos de futebol ou as apresentações de ballet dos mais novos, entre festas de aniversário dos colegas da escola e tardes de domingo com trabalhos de casa e revisões para os testes. São os pais que encaixam os seus compromissos nos da criançada e não o contrário. E até parece que o facto de corrermos entre a manhã de sábado e a noite de domingo, levando e trazendo os meninos, preparando as chuteiras e embrulhando prendas com laço e tudo, estudando as medidas de comprimento e os determinantes-artigo, provamos e comprovamos, aos nossos filhos e ao mundo, o quanto gostamos deles, o quanto fazemos tudo por eles, o quanto é impossível que, do nada, um filho nos pergunte: “Mãe, tu gostas de mim?”.
Então, naquele instante, as melhores respostas podem ser substituídas por uma tentativa absurda de justificar amor com factos. Ou noutras vezes, pode restar o silêncio e uma dor pequenina que se agiganta, feita das dúvidas que alimentamos. Na verdade, o problema deste tipo de perguntas que os filhos nos fazem é o medo que temos de estarmos aquém das expectativas. Não das deles! Das nossas. A expectativa que criamos de sermos perfeitos, de estarmos sempre presentes, disponíveis e sermos tudo isso com um sorriso igualmente perfeito. Mesmo que os dias no trabalho não sejam os melhores, que os problemas da rotina não sejam os mais leves, mesmo que o país e a crise e o futebol e a meteorologia não sejam do nosso agrado, exigimo-nos perfeitos, cheios de respostas luminosas para perguntas nubladas. As minhas respostas ao “Mãe, tu gostas de mim?”, por mais variadas e expressivas que sejam, nunca lhe chegam, nunca lhe sobram. Até eu perceber que, mais do que uma dúvida, a questão é afinal um pedido. No fundo, o Tiago não quer saber se eu gosto mesmo dele, ele quer sim que eu lhe diga que gosto, que gosto muito, que gosto sempre, e que lhe diga isso com um sorriso perfeito.


in Lx4Kids Junho 2014

14 junho 2014

Saber de mim?



"Honra tanto esmero, cala o desespero, 
É simples, tudo o que é da vida herdou sentido, 
Tem-te se for tido, sabe ser vivido, 
 Fala-te ao ouvido e nasces tu..."