30 setembro 2010

Orgulhos modernos


O primeiro passo, a primeira sopa, as primeiras palavras, os primeiros porquês... uma lista incontável de pequenos momentos que nos enchem de um sentimento novo quando somos pais. Parece que esse "sentimento novo" se chama orgulho e é coisa que se sente por quem gostamos, mas que assume novos tamanhos e novos sentidos quando se trata dos filhos.
Nunca tinha pensado nisto até há poucas semanas ter visto o Tigy jogar na minha PSP: as duas mãos estrategicamente colocadas, os dedos saltitando com perícia entre botões e o bonequinho no ecrã a seguir pelo caminho certo, somando pontos. Aquilo sim era o meu primeiro grande momento de orgulho. Via-me nele, com as minhas manias e os meus vícios infantis. Via-me ali, entusiasmada com o desenrolar do jogo, como se chegar ao fim daquele percurso fosse equivalente a chegar ao fim da vida e receber um bónus.

De lá para cá, do primeiro dia em que o ensinei a jogar até estes finais de noite em que se diverte uns minutos antes de ir para a cama, mantém-se o sorriso orgulhoso de uma mãe meia tonta que acha demais algo, se calhar, tão natural para um miúdo de 5 anos. Só que este novo olhar sobre o meu filho, sobre as coisas que ele consegue, sobre as coisas que ele sabe, parece ter despoletado muitos e diferentes acontecimentos, fazendo-me crer que o melhor de tudo é manter este orgulho bem perto: o Tigy acorda com um "good morning" estranho mas perceptível; o Tigy liga sozinho a televisão, selecciona o canal Panda e aumenta o som quando é preciso; o Tigy disse na escola a toda a turma "a minha Mãe ensinou-me a portar bem" e recebeu uma grande salva de palmas.

Eu acho que não faço mais do que a minha obrigação. Eu sei que faço pouco para o tamanho do orgulho que sinto.


28 setembro 2010

As perguntas que ele faz
(mas muitas vezes) #2

A pergunta:
"Mãe,
porque é que tu e o pai decidiram separar-se?"


A resposta-tipo:
"Porque o pai e a mãe são amigos mas já não são namorados e então não fazia sentido viverem na mesma casa..."



(E o mundo deixa de girar.)

27 setembro 2010

A guardar


"Quando dizemos coisas como "as pessoas não mudam", deixamos os cientistas loucos.
Porque a mudança é literalmente a única constante da ciência.

Energia... matéria...
estão sempre a mudar.

Transformando-se...
fundindo-se...
crescendo...
morrendo.

O modo como as pessoas tentam não mudar é que não é natural.

Como queremos que as coisas voltem, em vez de as aceitarmos.

Como nos prendemos a velhas memórias, em vez de criarmos novas.

O modo como insistimos em acreditar, apesar de todas as provas contrárias, de que algo nesta vida é permanente.

A mudança é constante.
Como experimentamos a mudança depende de nós.

Pode parecer a morte ou uma segunda chance.

Se relaxarmos os dedos...
nos desapegarmos...
seguirmos em frente...
pode ser pura adrenalina.

Como se a qualquer momento tivéssemos uma nova oportunidade.

Como se a qualquer momento pudéssemos nascer de novo."


in Grey's Anatomy Temporada 7 Episódio 1



Sim. Ela está de volta.

26 setembro 2010

25 setembro 2010

Uma canção e uma história #13

Uma canção do meu álbum preferido





"Tudo o que é meu
é tudo o que eu não sei largar"


Ela explicou-me, tintim-por-tintim, por que razão tinha eu de o largar. De deixar ir. De passar para outra esperança e deixar entrar uma nova história. Eu ouvi-a. Ouvi-a sempre. Mesmo a parte em que ela disse que amar alguém era largar e não prender. Mesmo a parte em que ela apertou as mãos, uma contra a outra, num gesto violento e me obrigou a escolher. Ouvi-a como tenho ouvido outras vozes, que dizem o mesmo por outras palavras, com gestos mais ou menos violentos, com ameaças e teorias do caos que ainda não fazem sentido.

Eu defendi-me. Falei-lhe de sentimentos, de coisas inexplicáveis, de justificações. Fui buscar outra vez a força das coincidências e lembrei-a do que é mais importante, do que ainda é mais forte.

Ela acabou por contar a história toda outra vez. A minha. Como se ela tivesse estado sempre presente, como um ponto no teatro ou uma consciência para quem acredita nisso. Somando tudo: ela mostrou-me como já não valia a pena. Como as respostas estavam dadas. Como as decisões estavam tomadas. E como era a minha vez de ver tudo isso. De frente. Claramente. E avançar.

Eu recusei. Não a olhei. Mudei a posição no sofá e o cabelo de lado. Procurei as razões de sempre, chamei os mesmos nomes às mesmas histórias. Confessei o quão frágil me sinto, o quão incapaz me vejo, o quão nada vale perceber onde está a verdade.

Ela, então, foi buscar o sentido de tudo: matar ou morrer, andar para a frente ou não andar para lado nenhum. Foi capaz, ainda, de explicar como todos os acontecimentos se uniram para um bem comum.

Eu interrompi-a. Neguei. Abanei a cabeça agitadamente. Repeti o "resumindo e concluindo" juntando-lhe o "nunca vou ser capaz", "vou ficar para sempre assim", "nunca mais sairei disto", "irei ter sempre esta certeza".

Ela enervou-se. Aproximou-se. Nunca a tinha visto tão de perto... Tão zangada até. Tão desapontada se calhar.

Eu quase vencida, quase acabada. Sem chorar. E a não querer ouvir. A não conseguir.

Ela disse, então, tranquilamente, que ia doer. Que não ia ser fácil e que eu sabia isso, desde o princípio. Voltou a explicar, detalhadamente, como esta era uma questão de sobrevivência. Como só eu não via o que era a mais pura das evidências. Repetiu as perguntas mais difíceis destes anos, as que me fez tantas e tantas e tantas vezes. Resumiu as minhas respostas ao longo do tempo. Desmascarou-as. Comparou-as com antes e depois que nem eu via.

Eu rendida.

Ela fez-me pensar. Sem pôr nada em causa. Chamando as coisas pelos nomes que têm.

E eu mostrei o pior de mim. Finalmente. Como posso ser a minha pior inimiga. Como não sou capaz de largar. (Como isso seria igual a morrer.) Mostrei-lhe a ela como para mim é mais natural perder que jogar para ganhar, como é mais fácil desistir do que ficar a assistir até ao apito final.

Ela acabou com o jogo.

E eu recolhi as cartas.

23 setembro 2010

Perguntas difíceis?


O Jornal I noticiou que estas são as 10 perguntas mais difíceis de responder:


1. Qual é o sentido da vida?
Em frente.

2. Deus existe?
Perdi-lhe o rasto.

3. As loiras divertem-se mais?
Eu sou morena e divirto-me pouco. Portanto...

4. Qual é a melhor forma de emagrecer?
Não comer de todo. Resulta sempre.

5. Há alguém aí (no espaço)?
Que apareça que faz falta alguém por aqui.

6. Quem é a pessoa mais famosa do mundo?
Conforme o mundo de quem...

7. O que é o amor?
Não sei, nem quero saber.

8. Qual é o segredo da felicidade?
Não saber o que é o amor.

9. Tony Soprano morreu?
Vou pesquisar no Google e já respondo...

10. Por quanto tempo vou viver?
Hoje está feito.



Está respondido.
Difíceis não são estas. São todas as outras...

22 setembro 2010

A guardar




"...e o medo de que a vida seja isto..."


Poema de Jorge de Sena
(magistralmente) lido por Diogo Infante

20 setembro 2010

As perguntas que ele faz
(mas muitas vezes) #1

A pergunta:
"Mãe,
porque é que nos filmes os maus nunca ganham?"


A resposta-tipo:
"Porque os bons são compensados por serem bons, os maus são castigados por serem maus."



Aceitam-se alternativas.
Obrigada.

16 setembro 2010

Os outros que não choram


Há gente que, simplesmente, não chora. Os pais, os avós, o professor mais exigente de todos, o patrão mais mal-disposto, o padre da freguesia ou o médico de família. Definitivamente, não choram. Impossível. Mesmo.

Quem chora são os outros, os que estão de fora, os que realmente têm razões para isso... Quem chora somos nós. Porque há coisas - por mais naturais que sejam - que não se imaginam em certos rostos, em certos papéis. Não fazem parte. Não pertencem ali.
Talvez por isso, quando os outros que não choram, choram mesmo, é que nunca mais se esquece tal momento. Daí eu trazer comigo há muitos anos, talvez 11 ou 12, a imagem da primeira vez, e única, que vi a minha avó a chorar. Ligada a essa imagem, que dura segundos, estou eu de olhos secos, numa troca de personagens entre protector e protegido capaz de desorganizar uma vida.
Será sempre muito mais fácil estar de um certo lado: do lado de quem tem de ser resguardado, de quem tem de ser cuidado, de quem tem de ser defendido.
Resguardar. Cuidar. Defender. Sim, isso é que custa. Isso é que dói.

Nestes dias a minha avó está muito doente e precisa de ser cuidada. Nestes dias o Tigy voltou à escola e precisa de ser defendido. Nestes dias eu voltei a chorar e preciso de ser resguardada. Enquanto isto ainda custa. Enquanto isto ainda dói.


Ilustração - Benjamin Lacombe

08 setembro 2010

Uma canção e uma história #12

Uma canção que me descreve




Era a tarde mais longa de todas as tardes
Que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas
Tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca,
Tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste
Na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhamos tardamos no beijo
Que a boca pedia
E na tarde ficamos unidos ardendo na luz
Que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto
Tardaste o sol amanhecia
Era tarde demais para haver outra noite,
Para haver outro dia.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.

Foi a noite mais bela de todas as noites
Que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite
De aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois
Corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite
uma festa de fogo fizeram.

Foram noites e noites que numa só noite
Nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites
Que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles
Que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto
Se amarem, vivendo morreram.

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.


Eu não sei, meu amor, se o que digo
É ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
E acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
Dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida
De mágoa e de espanto.
Meu amor, nunca é tarde nem cedo
Para quem se quer tanto!

Ary dos Santos

06 setembro 2010

N de neura


N de neura. De nada, nem ninguém, levará de mim tal mal.
N de novas nuvens a nublar o nosso céu. N de nuvens negras que nunca pensei ter a escurecer o meu.

N de "não há novidades?", de "notas alguma coisa diferente?", de "nada muda ou nada fica?".

N de nenhuma coisa para lembrar. N de nós para atar ou desatar. N de nunca mais haverá razões para...
N de não e de nim. N de noção. N de negação. N que falta na palavra irritação.
N de noite, de negro, de neblina, de nefasto. N de "nunca mais?", de "nem penses!", de "nem tentes", de "nem-sei-que-diga".

N de nenhum problema ou de nenhuma solução. N de nenhures, de neutro, de nervos. Também de ninho e de novelo...
N de um nome. N de um nada. N "à nora" ou "fora da norma", "sem norte" ou "nem demora".

N de nunca mais. N de nem vale a pena.





Ilustração - Tana Powell

05 setembro 2010

Bagagem emocional




A partir da leitura deste texto:
às nove no meu blogue - E depois do adeus?



Ninguém anda à procura de ninguém, de príncipes encantados ou paixões que resistem a tudo, até à morte. Ninguém programa a vida, faz dela uma sucessão de actos programados e de objectivos estudados ao milímetro e executados segundo todos os esquemas e detalhes. Simplesmente, acontece. Acontecem as relações, aparecem as pessoas, quebram-se anos de ideais para deixar que os sentimentos cresçam, abandonam-se todas as verdades absolutas para viver, apenas, o momento. Ou um conjunto infinito de momentos. Novos. Completamente novos. E isso sim é o amor. Uma descoberta. Um mundo inteiro de novidades. Sentir o nunca sentido. Fazer o que nunca foi feito. Tentar. Tentar muitas vezes. Dar de nós como nunca a ninguém. E aceitar. Aceitar a novidade, aceitar a descoberta, aceitar o que o outro sente. Aceitar as tentativas falhadas e viver sofregamente o melhor que vier, o melhor que nos derem. Só a nós. Quando olhamos está tudo virado do avesso e a rotação da Terra mudou de direcção.



Viver isto

não se decide. Não se procura.



Viver para a frente é não travar nada do que possa acontecer. De tudo o que ainda temos para sentir e nem imaginamos. Das pessoas que estão para aparecer e ainda nem sabemos o nome. Das outras que têm andado sempre por aqui e ainda nem olhámos duas vezes. Da lista interminável de coisas a fazer num resto de vida que é quase a vida inteira.



Eu tenho bagagem emocional. E isso só me pode tornar mais mulher e mais adulta, mais completa e mais feliz. E quem chegar e vier para me dar novos conjuntos infinitos de momentos, mundos inteiros de descobertas, os sentimentos que faltavam mesmo sentir e fazer muito do que ainda falta, saberá que é a minha bagagem emocional que me faz assim. Então, saberei dar, tentar... e receber. Receber muito mais, muito mais de tudo. Sem medo do mundo virado do avesso ou da Terra a rodar ao contrário.

Tudo o que vier só terá sentido porque, no fim do dia, a minha bagagem emocional estará por aqui: o melhor de mim que é o melhor da vida.



Viver assim

não se decide. Não se deseja.


Aceita-se.



Ilustração - Lyle Motley