30 novembro 2005

Serões à lareira


Uma das melhores recordações que tenho da minha infância está no primeiro dia de cada Inverno em que a minha Mãe acendia a lareira. Lembro-me perfeitamente de pensar, no caminho entre o Colégio e a nossa casa, se seria esse o dia em que haveria lume na sala. Depois, ao chegar, passava sempre a mão pela parede, ao subir as escadas - num certo local, quando a lareira ardia, a parede ficava quente. Esta lembrança tão minha, de mochila às costas, de alguma chuva na rua, de um fim de tarde de escola e da mão a deslizar na parede áspera é uma coisa tão simples e ao mesmo tempo tão saborosa! Muitas vezes me desiludi quando senti a parede fria... Quantas vezes sorri ao aperceber-me do calor, porque do outro lado dos tijolos estava a sala numa nova disposição, a do Inverno: os sofás mais perto da lareira, ao redor do calor. E que saudades desses fins de tarde, em que os trabalhos de casa eram feitos no sofá, bem pertinho do lume, e em que se jantava também ali, sopa, torradas, castanhas assadas e tangerinas.
Lembrei-me de tudo isto esta noite, aqui na minha casa tão longe do lugar da minha infância, enquanto o marido ateia o lume e eu reparo nas bochechas vermelhas do meu bebé. Está quente aqui dentro... e está-se tão bem.

22 novembro 2005

O voo do tempo


Ao ouvir hoje as notícias sobre o novo aeroporto da Ota, focalizei as minhas atenções nas datas: lançamento do concurso em 2007; início da construção em 2010; entrada em funcionamento em 2017. 2017? Foi aí que comecei a fazer contas: ora 2017 menos 2005 dá 12... 20 e tal mais e ... pois que... Meu Deus! Conclusão: quando Lisboa tiver um novo aeroporto o Tigy terá 12 anos e eu serei uma mãe quase a chegar aos quarentas. Como se sente a vida toda a passar num instante, depois de umas contas feitas, depois da notícia do dia ouvida e repetida nos telejornais. Nesta minha pressa de viver sempre o que está para chegar, comecei a rabiscar mentalmente um futuro com um filho na pré-adolescência (sabe-se lá quantas mais crianças!) e com mais anos para trás do que para a frente... E não gostei dessa escassez do tempo, sentida nuns segundos, perdida no instante seguinte ao voltar o olhar para o rosto de 3 meses (já?!) do meu bebé, para as promessas do Governo quanto a datas, para esta sensação de liberdade que me dão os meus dias sem horários, sem tarefas, sem exigências. Os meus dias de mãe a tempo inteiro, entregues completamente aos pedidos e silêncios do meu filho.
Daqui até 2017 quero ser mais e melhor por ele, mas também por mim... pelo que a vida me exige, pelos que os meus sonhos me segredam, diariamente. Quando o primeiro avião levantar voo da Ota para o céu, de 2017 para a frente, que presente terei, que passado guardarei? E por onde voará o meu - já não - bebé?

13 novembro 2005

Gritos de dúvidas


Esta tem sido uma semana de gritos... Gritos no sentido real do termo! O Tigy tem passado horas seguidas no seu mais recente entretenimento: gritar. E é aí que o pânico se instala. Primeira reacção é pensar que tem fome, mas quanto mais se aproxima o leite mais alto fica o som. Segunda tentativa: mudança de fralda. Normalmente não há nada a registar e, então, a conclusão é óbvia: quer fazer cocó! Massagens na barriga, embalos em todas as posições, beijinhos e abraços... Sem sucesso.
E os gritos sucedem-se. Bebé cada vez mais vermelho, com as lágrimas a saltarem dos olhos, os braços e as pernas agitados! Pais desesperados entreolham-se sem saberem o que fazer!
Assemelham-se a ataques de pânico ou de desespero e nada, nem ninguém, o consegue calar.
À força das tentativas, o pai tem sido o mais bem sucedido com os passeios pela casa, com o Tigy aos pulinhos. Eu decidi pesquisar...

"Dias depois do nascimento, o bebé – que se encontra perfeitamente bem durante o dia – começa a ter crises de choro ao entardecer, geralmente entre as seis da tarde e as dez horas da noite. Obviamente, esse choro pronunciado e entrecortado gera grande ansiedade e angústia nos papás, pois não sabem a que é devido e também se existe alguma coisa que possam fazer para aliviar o bebé. Mas não devemos desesperar: tem simplesmente cólicas, e a verdade é que, apesar das dores que causam, o bebé não sofre tanto como os seus papás ao ouvi-lo chorar."
in SAPO BEBÉ

Aqui está. Nesta coisa de ser mãe alivia saber que os piores males dos nossos filhos são, afinal, males de todos os filhos da mesma idade. Sabe bem ouvir "é normal", sabe bem ouvir "isso passa", sabe bem acreditar. Mas nesta coisa complexa de ser mãe sabe melhor quando o nosso bebé ri, quando o nosso bebé dorme, quando o nosso bebé sossega, brinca, emana felicidade. Sabe melhor ainda pensar que com o mal de todos os filhos podemos nós bem, não os queremos é para os nossos.

03 novembro 2005

Visita à doutora, mamã sem abrigo e outras histórias em dia de chuva


Uma ida à pediatra é, sempre, uma manhã de stress. O Tigy não está habituado a correrias, a saída com horário, ao trânsito da manhã, também a alguma falta de paciência do pai e a alguma impavidez da mãe. Ultrapassada a cidade em dia de chuva, o Tigy e o pai deliciaram-se com a estreia do canguru - os dois de gabardine, enfrentando o tempo num dia cinzento - juntos, quase colados, partilhando o pulsar da pressa, juntamente com os remoinhos do cabelo, a forma do rosto, sabe-se lá que mais parecenças ou segredos... Eu, no meu passo menos apressado, pensava nisto tal qual como o escrevo agora.
A consulta teve o registo do aumento de peso, o crescimento da cabecinha e de todo o corpo, teve alguma choradeira até. No final de tudo soube-se que o Tigy está de perfeita saúde e, em breve, irá provar a sua primeira papa.
Depois, continua o dia... Um dos de chuva que quase sempre traz momentos de nostalgia. Principalmente quando se tem tempo a sós, resguardada no sono do bebé, no silêncio da tv, numa vontade de dizer muito sem revelar nada. A distância começou a ter para mim um significado completamente novo desde que o Tigy ganhou forma, peso e pulsação dentro da minha barriga. Agora, a viver a sua vida, a respirar o seu ar, a sentir a sua pele, a descobrir o seu mundo... essa distância tem-se revelado quase insuportável. Olhar para ele, para nós dois nos nossos dias muito iguais, ganha, vezes demais, um sabor a tristeza que se funde com a felicidade grandiosa e inqualificável de o ter, de o amar. Partilhar tudo isto, com quem eu queria, diariamente, atentamente, presentemente, de forma real, palpável, certa, revesteria toda esta paixão com uma leveza que não lhe consigo dar, agora. E é assim, no momento da vida em que me devia sentir mais crescida, um núcleo de protecção e de força para o meu bebé, que me sinto mais frágil, mais incapaz, mais menina, mais saudosa, mais perdida. O peito acaba por não sustentar todo o ar e, às vezes, há coisas que têm de sair pelos olhos!
O melhor de tudo é perceber que nada na vida é comparável ao meu bebé: ao seu sono tranquilo, ao seu despertar mimado, às suas exigências singelas, à sua agitação divertida. E nada do que vivi, para trás, é comparável a este papel de mãe: ao meu sorriso embevecido, à minha preocupação constante, ao meu medo infundado, até à minha fragilidade imensa. Tudo isto, misturado com o pânico de ver o tempo passar e de sentir que estes dias assim, mesmo a dois, irão acabar. E a partir daí nada será como antes.

01 novembro 2005

Palavras dos outros


Sempre gostei de citações. Desde que comecei a ler que aponto as frases que mais gosto e que vou encontrando ao longo dos livros. Guardo esse hábito desde o tempo em que devorava "O Clube das Chaves", "Uma aventura" e os livros da Alice Vieira... Ah! Que saudades dessas tardes no sofá, a sentir-me parte das histórias, a questionar-me "Como é que aquela senhora me conhecia tão bem?!" Estava, então, no auge da adolescência e vivi essa fase tão peculiar com todos os seus exageros e dramas: com as mudanças de humor, com a tendência para a solidão, com a primeira palpitação dos sonhos, até com a mistura de ficção e realidade, de paixão e admiração... Mas essa é outra história!
Voltando à Alice Vieira: ainda hoje leio os seus livros e ainda hoje mantenho com ela, a própria, uma "amizade virtual" feita de cartas trocadas, de vidas relatadas e de um sentimento muito estranho, mas comum, de nos mantermos assim, perto do papel e afastadas do olhar.
Já repeti muitas vezes que gostava que os meus filhos lessem os livros da Alice e encontrassem neles o mesmo que eu: uma identificação de sentimentos, um escape para as dúvidas da idade, um refúgio para uma infelicidade que mais não é do que a dor do corpo ao crescer. Guardo impecavelmente todos os examplares, onde me refugiei durante algumas horas vivendo a minha adolescência e, apesar de ter consciência que alguns livros têm um carácter marcadamente feminino, guardo, também, este desejo de um dia os ver desfolhados pelas mãos do Tigy e, no fim, espreitando sem me denunciar, ver no seu olhar que ali encontrou um reflexo fiel dos seus mais profundos sentimentos. E, depois, que ele saiba guardar, e resguardar, cada livro tão carinhosamente como eu o tenho feito ao longo dos anos.

Do lado direito do ecrã nasce, agora, um novo espaço.
"Palavras dos outros" é o fruto dessa minha admiração pelos livros e desse meu hábito de registar, num caderno, as melhores citações. Contudo elas não provêm somente dos livros que leio, encontro-as, também, nas revistas e nos jornais, na televisão e na rádio, até nas conversas que ouço, nas conversas que tenho.